quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Memórias de meu pai ....


Por: Marcia Terezinha Salai

Curt Salai primogênito de uma família de cinco irmãos (Curt, Olívia, Valentin, Clara e Antônio) filhos de Antônio Salai e Maria Finta Salai.

Nascido em 28/03/1931 na localidade de Palmeira que pertencia ao município de Timbó – SC.

A vida transcorria normalmente, família de pequenos agricultores e seu pai com intenção de obter renda extra trabalhava para o Estado como zelador de estradas.

Quanto as brincadeiras na infância tendo como companhia somente dois irmãos lembra que gostavam de brincar de fazendinha, construindo cercas com folhas de bananeira para representar as divisões do curral e dentro colocavam uns ramos secos de plantas menores representando os animais.

No ribeirão em dias mais quentes brincavam até a exaustão.

Mesa farta, produtos como: polenta, aipim frito com toucinho, batata doce, queijo de porco, pão de aipim, pão de milho, leite, manteiga, lingüiça, requeijão amassado com nata e sal, mel, geléias e doces de frutas, café, chá, melado de cana, ovos fritos, carne de frango e porco. Frutas da época.

Descreve saudoso sua infância ... “Nossa casa tinha o cheiro do strudel e do pão saindo do grande forno de barro, o sabor do queijo e do requeijão feito ali mesmo pela minha mãe”.

“Na cozinha havia um fogão de lenha e a noite depois de concluído todas as tarefas ficávamos na mesa realizando as lições de casa eu e minha irmã Olívia. De noite a luz vinha de um velho lampião que queimava querosene.”

“A noite na cozinha virava uma festa com toda a família reunida em torno da mesa para saborear a polenta com molho de frango, pão e o bolo de milho entre outros pratos com produtos cultivados nas nossas terras”.

“Tudo era artesanal, nos fundos da casa havia uma prensa de madeira onde minha mãe produzia o queijo. Do lado de nossa casa tinha uma grande horta, mais abaixo tinha um ribeirão com pedras onde também podíamos pescar deliciosos peixes e no verão era nosso lugar preferido para brincar e se refrescar.”

Sobre o Natal lembra que era comemorado só no dia 25 de dezembro, nada de véspera, por um motivo simples todos trabalhavam até as seis da tarde do dia vinte e quatro.

No dia de Natal, de manhã iam a missa após a missa era preparado um delicioso almoço o prato principal era o pernil com batatas ao forno, pato ou marreco recheado, a polenta, o strudel e sobremesa de frutas secas e os pudins gelados no ribeirão. Bebidas servidas eram as cervejas e o refrigerante de gengibre, tudo feito em casa. As cucas eram caprichadas de banana, de requeijão. Uma fartura. A família não trocava presentes e as crianças ganhavam bolachas pintadas em forma de pinheirinhos. A árvore de Natal também era decorada com bolachas coloridas. Tudo tão simples e harmonioso, pois o que se comemorava era o verdadeiro sentido do Natal que é o nascimento de Jesus.

Assim o pequeno Curt cresceu com saúde...


TEMPO DE INGRESSAR NA ESCOLA
Em 1939 Curt completa oito anos e ingressa na escola.
A escola tinha aproximadamente cinqüenta alunos, o estudo era separado por livros, ou seja, iniciava com a cartilha, depois primeiro livro e assim até o terceiro livro quando completavam seus estudos, estudava meio período a tarde ajudava a mãe nas plantações e nos cuidados com os animais. Tirar leite, tratar porcos, galinhas, patos e marrecos eram suas tarefas de todos os dias.
Escrevia seus temas na lousa com pena, cada aluno tinha sua lousa, todo o material como livros, lousa e papel era comprado por seus pais.
Uma vez por mês fazia provas e estas eram no único caderno que tinha no final de cada ano letivo realizava exame final e o “examinador” era um Professor de outra localidade, estas eram em papel almaço e não recebia de volta.
Lanche cada aluno levava o seu, o pequeno Curt levava duas fatias de pão de milho com manteiga e queijo ou doce caseiro e queijo, mas sempre trocava com os colegas que levavam paçoca de açúcar, de ovos, de carne e também trocava por mel.
Seu Professor nestes quatro anos de estudo chamava-se Serafim Gretter, o Professor nesta época acumulava três funções, são elas: Capelão, pessoa que rezava os cultos e dava catequese, Inspetor de Quarteirão que no meu entendimento se tratava de um mediador de pequenas causas se não conseguisse resolver o conflito passava para a delegacia do município de Timbó e o principal que era o de lecionar.
Sempre que os alunos aprontavam alguma traquinagem eram castigados com a palmatória ou com a vara de marmelo.
Por exemplo, se não iam à igreja no domingo segunda-feira eram castigados.
Segundo meu pai, menino sempre foi malandro conta que certa vez na época da seca da taquara em que há o aparecimento de inúmeros ratos, todos os moradores faziam proteção com latas ao redor dos ranchos onde armazenavam o milho e outros produtos de sua plantação, a brincadeira preferida da criançada na hora do recreio era domar ratos. Alguém trazia na sacola de pano que servia de mochila alguns ratos e aí na hora do recreio após lanchar lá iam os meninos atrás da escola brincar. Isso era tranqüilo até o dia em que seu colega Leodoro avisou que trouxe os ratos e o colega Lino muito malandro durante a aula pediu para ver e fez questão de abrir bem a mochila soltando os ratos. Imaginem a cena ... a meninada gritando de medo e já uma conta ao Professor que foi Leodoro o autor da proeza aí palmatória para o pobre menino.
Lembra que uma menina fugiu da escola e o Professor correu atrás dela uns bons quilômetros e a trouxe de volta e ... palmatória.
Segundo meu pai apanhavam e não aprendiam e saudoso diz “criança sempre criança”.
Agradece ainda hoje aos ensinamentos que teve através de seu Professor além das lições que faziam parte do Currículo da época os ensinamentos cristãos na catequese, destaca que é devoto de Nossa Senhora desde criança quando o irmão padre do Professor Serafim veio visitar a comunidade e trouxe um livro da vida da mãe de Jesus.
Lindo... nunca esqueceu aquelas páginas.


E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Também em 1939 inicia a Segunda Guerra Mundial, inicialmente o pequeno Curt nada percebeu somente as conversas preocupadas dos adultos lembrando que seus pais descendiam de imigrantes alemães que vieram ao Brasil porque queriam escapar da miséria, pois a Alemanha estava pagando preço alto em indenizações por ter perdido a Primeira Guerra Mundial.

Principal meio de comunicação era o rádio e lá ouviam as notícias de todos os fatos da Segunda Guerra Mundial, talvez um dos fatos mais intrigantes e discutidos pelos adultos era o forte sentimento de arianismo(raça pura) propagado pelos nazistas. Comentavam dos Campos de Concentração e o assassinato de judeus, ciganos ou de pessoas contrárias ao nazismo.

No Brasil entre os anos de 1937 e 1945 vivia o Estado Novo, governo ditatorial de Getúlio Vargas que acabou governando por quinze anos.

Suas lembranças de menino em época de guerra que faltava tudo ... por exemplo faltava querosene para acender o lampião – os moradores nativos ou imigrantes e seus descendentes compravam meia garrafa do combustível mediante um cadastro.

Depois lembra que veio a crise do açúcar, no início compravam um quilo de açúcar amarelo, depois acabou. Adoçavam o café, chá ou leite com mel.

Faltou trigo fome não passavam, pois comiam pão de fubá (milho), polenta e no Natal conseguiam comprar cinco quilos de trigo.

Outros produtos não sentiam falta porque eram agricultores mas o fato mais interessante desta época era que meu pai que vivia com sua família em Palmeira e seus avós viviam em Garibaldi há aproximadamente vinte quilômetros de distância, seus avós tinham engenho de açúcar , faziam melado e doce de frutas, plantavam café, aí Curt com nove/ dez anos e sua irmã Olívia um ano mais nova tinham que ir até a casa dos avós buscar esses produtos.

Sua mãe preparava um lanche e lá iam os irmãos a pé percorrer a distância, na metade do caminho tinha um córrego onde sentavam e lanchavam, lá pelas duas horas da tarde chegavam na casa da vovó, lá pernoitavam e voltavam outro dia carregados.

Os imigrantes eram associados aos seus países de origem, e mesmo que não possuíssem qualquer ligação com o nazismo, muitos acabaram sofrendo represálias, livros, panos de parede, enfim tudo que tivesse escrito na língua alemã tinha que ser queimado, na escola só poderiam utilizar a Língua Portuguesa, na Igreja o mesmo acontecia somente o latim poderia ser usado nas missas.

Meu pai com lágrimas nos olhos afirma; “tempo triste, sofrido, uma grande crise, mas ninguém passou fome”.


MUDANÇA DE PALMEIRA PARA MARCÍLIO DIAS/ CANOINHAS
Em 1944 quase no fim da guerra avô Antônio veio para Marcílio Dias, em Palmeira decidiu não mais poder morar, pois estavam com vários surtos de malária, avô trabalhava para o Estado seu salário estava atrasado e pior de todos esses motivos era que suas terras seriam indenizadas devido a construção da barragem do Rio Bonito, enfim tudo contribuía para sua desmotivação com o lugar.

A opção por Canoinhas/SC era por ter parentes residindo aqui, estes não entendiam , pois aqui também estavam sofrendo com as conseqüências da Segunda Guerra Mundial.

Avô Antônio determinado avaliou e decidiu vir de Palmeira para Canoinhas e assim começar tudo de novo.

Após a mudança veio a necessidade de trabalho e o avô foi até a Empresa Wiegando Olsen onde foi atendido e mais uma vez foi contratado para fazer a manutenção das estradas, o Estado pagava através de convênio com a Empresa mas meu avô afirmou que para o Estado não trabalhava pois teve muitas dificuldades devido atraso com pagamentos mas sendo a empresa responsável avô aceitou proposta e começou a trabalhar.


INÍCIO DA VIDA PROFISSIONAL
O menino Curt se transformou em um adolescente forte e em 1944 com treze anos já havia concluído seus estudos em Palmeira então precisava começar a trabalhar para ajudar a família.

Com alegria foi aceito para trabalhar no restaurante de Dona Teresa Gobi como auxiliar de serviços gerais espécie de oficce boy na época dava-se o nome a este funcionário de pinante.

Seu trabalho era tratar os porcos, galinhas, fritar os famosos pastéis, que Dona Teresa pessoalmente fazia, colocar as barras de gelo, as peças de carne bovina que vinham de trem na moderna geladeira de madeira, acompanhar a senhora Teresa de sua casa até o restaurante e a noite acompanhava a volta para casa.

Tarde da noite quando tudo estava organizado para o outro dia Dona Teresa fazia o balanço financeiro, separava o dinheiro e colocava tudo em uma sacola pegava a bengala enganchava no seu ajudante e retornava para a casa com sentimento de ter um excelente dia, no meio do caminho a senhora havia mandado construir um banco e por alguns minutos descansava devido sua idade já avançada e seu sobrepeso.

Tudo na maior escuridão isso impressiona meu pai até hoje com seus quase oitenta e seis anos, pois nunca tiveram problemas em relação a sua segurança e iam com a sacola cheia de dinheiro fruto de um dia de comércio no restaurante.

Já na casa da senhora entravam pelos fundos  sua última tarefa  era acender o fogareiro a carvão, assim terminava o dia de trabalho depois iria para o sótão onde todos os empregados dormiam e após sua orações também dormiria.

Às seis horas os funcionários acordavam para mais um dia de trabalho, as dez horas chegaria o primeiro trem e o almoço teria que ser servido, a média de almoços servidos era em torno de cinqüenta mas em dias mais agitados eram servidos até noventa almoços.

Às oito horas teria que buscar a senhora.

Depois de limpar rigorosamente o bar seu trabalho era fritar pastéis.

Almoço servido hora de levar as sobras aos porcos, galinhas, ajudar a lavar e secar louças tudo na maior alegria.

Em meados de 1945 concentrado na sua rotina de trabalho ouviu o apito da Empresa Wiegando Olsen, pensou hora do intervalo para o lanche, mas o apito não parava e já ouviu o sino da estação e o sino da igreja, olhou para fora os funcionários da empresa indo embora e gritando em coro ... Acabou a Guerra!!! Acabou a Guerra!!!

Curt foi para dentro do restaurante e com as demais funcionárias também gritavam ... Acabou a Guerra!!! Dona Teresa que como de costume estava descansando num quartinho nos fundos do restaurante veio comemorar o tão aguardado término da guerra.

Sobre a perseguição aos descendentes alemães meu pai comenta que em Marcílio Dias foi tranqüilo, pois o Inspetor de Quarteirão era um senhor bem amigável.

Meu pai comenta e a História confirma que o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial como aliado norte americano após ataques a navios brasileiros assim o Presidente Getúlio Vargas em 1942 declara fim da neutralidade.

O Brasil enviou para a Itália que estava ocupada pelos nazistas 25 mil militares segundo sua memória aproximadamente 900 soldados catarinenses.

Assim com o fim da guerra a vida começa a soprar ares de tranqüilidade.


A VOLTA DOS SOLDADOS
O trem de passageiros era aguardado ansiosamente por pais, mães, irmãos, amigos e namoradas ansiosas; como estariam seus entes queridos após passar por tamanha provação eram as conversas enquanto esperavam o trem chegar.

Entre o restaurante e a estação ferroviária em Marcílio Dias há até hoje um espaço e neste dia estava abarrotado de pessoas, além dos familiares a população local estava para receber e abraçar os ex combatentes.

O trem chega e vem apitando desde Três Barras meu pai disse que naquele dia tendo o sol como testemunha até os homens chegaram às lágrimas.

Com o sentimento de dever cumprido, os pracinhas puderam, enfim, voltar para a casa. Ao desembarcarem na estação Marcílio Dias os soldados foram recebidos como heróis.

“Lembro-me como se fosse ontem: eles vieram de trem misto, que carregava pessoas e cargas. Ao desembarcarem, os pracinhas foram carregados nos ombros. A banda de música tocou durante toda a celebração. As pessoas cantavam, gritavam, queriam tocar nos combatentes brasileiros, tamanha era a emoção do momento. A pequena localidade parou completamente e mais uma vez os sinos tocaram. “Eu estava no meio do povo. Foi uma explosão de alegria. A euforia foi extraordinária. Foi uma coisa linda, maravilhosa, emocionante e o cheiro do pastel vindo do restaurante, pois como ótima comerciante Dona Teresa estava preparada para atender todo aquele povo. “Todos queriam celebrar nem poderia ser de outra forma”, lembra meu pai, e emocionado fala ...”isso aconteceu em 1945 e eu estava com quatorze anos”.


SEGUNDO TRABALHO 
Curt Salai em 1946 fez a carteira de menor e já poderia começar trabalhar na Empresa Wiegando Olsen, inicialmente sentiu sair do restaurante pois gostava do local, do grande movimento das pessoas, do trabalho e de sua bondosa patroa Dona Teresa.

Mas com o término da guerra houve crescimento elevado em todo o mundo, assim havia muita oferta de emprego, segundo meu pai os responsáveis pelas empresas ficavam observando os meninos que já estavam com idade acima de quatorze anos para trabalhar nas fábricas, nesta época a Empresa Wiegando Olsen começou empregar as moças também tanto era necessidade de mão de obra.

Outro fato marcante nas memórias de meu pai foi a implementação da CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas, no ano de 1943, a qual fixou as regras e direitos dos trabalhadores, disciplinando a relações entre patrões e empregados.

Segundo reflexões hoje do sábio e idoso Curt “é importante observar que a CLT está vigente até os dias de hoje, sendo que sua base se mantém inalterada desde sua implementação graças ao Presidente Getúlio Vargas”. 

ALISTAMENTO MILITAR 
Aos dezoito anos o jovem Curt fez o alistamento militar e foi chamado a servir o Exército convocado para o Rio de Janeiro na época Capital Federal do Brasil.

Serviu na 1ª. Região Militar em 1950 nesta época acontecia a segunda campanha de Getúlio Vargas, onde através do voto popular se elegeu como Presidente do Brasil e governou desde 1951 até 1954 quando se matou, portanto governou por mais três anos.

No Exército ficou um ano e três meses, sua baixa em 1951 atrasou noventa dias devido aos acontecimentos políticos da época (eleição e posse de Getúlio Vargas).

Concluído seu dever com a pátria embarcou na Central do Brasil/ Rio de Janeiro até a Estação da Luz em São Paulo – ficou um dia em São Paulo.

De São Paulo até Itararé, Ponta Grossa, União da Vitória e finalmente de volta para sua amada Marcílio Dias.

No retorno sentiu a diferença após tanto tempo no Rio de Janeiro onde teve a sorte de conhecer Copacabana, Ipanema, de presenciar a Copa do Mundo de 1950 no recém inaugurado Maracanã e estar na partida que foi considerada uma das maiores decepções da história do futebol brasileiro onde o Uruguai venceu o Brasil por dois gols a um ... estava de guarda como bom milico e até torceu para o Brasil perder pois ficou com medo da reação daquela multidão no caso de uma vitória do Brasil, perdendo o povo foi aos poucos saindo do Estádio, triste mas com tranqüilidade.

Também prestou guarda no Palácio do Catete, na Central do Brasil nas suas folgas visitou o Morro do Corcovado com sua famosa estátua do Cristo Redentor, passeou no teleférico do Pão de Açúcar e de lá viu a Baía da Guanabara ... tudo parecia um sonho.

E agora na sua querida Marcílio Dias com as estradas de capim.

Como era bom correr naquele chão fofo... sentir aquele frio de início de inverno e ver as laranjeiras carregadas de frutas...

Como era bom voltar para sua família...

Como era bom sentir o sabor do strudel feito por sua mãe.

Estava em Marcílio Dias assim outras histórias viveu e hoje aos quase oitenta e seis anos de vida diz com seriedade: OBRIGADO MEU DEUS.















3 comentários:

  1. Marcia, que linda história amiga!!! que orgulho desse pai né...bjsss

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  2. Sim. Um pai maravilhoso. Pessoa de muita fé. Exemplo para todos nós.

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  3. Conheci Antonio Salai, acho que é irmão dele.

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